Mas por que o Shinji não pode ser gay?
Um dos grandes méritos de Evangelion é a abordagem dada a psique de cada personagem. Reza a lenda que Hideaki Anno, criador do anime, começara a estudar psicologia na época e empregou em sua obra vários dos conceitos aprendidos . Isso se reflete na historia, e em minha opinião, é um dos elementos que torna Evangelion um dos animes mais marcantes e complexas dos últimos tempos. Um desses conceitos, aplicados a personalidade de Shinji, é o dilema do ouriço, em que dois ouriços precisam proteger-se do frio mas quanto mais próximos ficam, mais machucam um ao outro. Escrita por Schopenhauer, Freud serviu-se da fabula para comentar o tema da proximidade nas relações humanas. Shinji foi machucado por muitos ao longo de sua vida e para evitar que isso se repita, adotou como solução o hábito de distanciar-se das pessoas (física e emocionalmente) preferindo ao longo de toda a serie permanecer solitário, afastado do mundo exterior e reprimindo suas emoções a um estado passivo de pura obediência... Até a chegada deste misterioso garoto de pele alva e profundos olhos rubicundos.
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Um verdadeiro anjo |
Kaworu é revelado a quinta criança e sua chegada, no episodio 24 ( ͡° ͜ʖ ͡°), provoca uma mudança visível no tom da serie. Até o momento, Shinji não sabia o que fazer; encontrava-se desencorajado a falar com Rei após ter presenciado um tanque cheio dela ser destruído bem na sua frente, Toji e Kensuke haviam perdido suas casas e se mudado para outro lugar e Asuka estava desaparecida. O cenário estava armado, Shinji, longe de boa parte do que pode ser considerado seu circulo social, vê pela primeira vez a figura de Kaworu, sentado sobre uma estatua, oferecendo seu sorriso como cartão de visita do que viria a ser um episodio repleto de romance e tenção sexual subentendida. Logo Shinji se aproxima do garoto, demonstrando um conforto e intimidade nunca antes vistos na serie. As indiretas de Kaworu são mais que diretas e Shinji, apesar do primeiro desconforto, mostra-se genuinamente aberto a viver novas experiencias ao seu lado.
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Mas antes, que tal tirarmos o elefante alemão da sala? |
Parte da trama de Evangelion estrutura-se em um triangulo (quadrado?) amoroso entre Shinji, Asuka, Rei e Misato. Mas como , neste texto, levarei em conta o fato de Misato ser sua tutora e Rei CLONE DE SUA MÃE, prefiro limitar meus comentários à sua tenção amorosa com Asuka; uma carta na manga, ativada pelo modo de defesa do fandom de Evangelion sempre que o assunto ''sexualidade do Shinji'' vem à tona. Sim, é notável o surgimento de uma ligação sentimental entre Shinji e Asuka no desenrolar da trama, porém, a chegada de Kaworu no anime torna inútil, por comparação, qualquer tentativa de relativizar "Kaoshin" baseando-se num suposto romance desenvolvido por Asuka e Shinji. O convívio de Shinji e Asuka é rondado por uma aura pesada, repleta de estaranhesa e confusão. A natureza toxica do relacionamento é tão obvia que, em momentos específicos da história, os dois chegam a representar a pior coisa existente um para o outro.
Já a a ''amizade'' dele com Kaworu, é desenhada de forma diferente, revelando à audiência um novo lado do personagem. Kaworu entra em cena para despertar a felicidade e liberdade nas ações de Shinji, livra-lo da tal aura de incerteza e dar a ele a possibilidade de finalmente enxergar sentimentos até então escondidos. Sensação similar a de gays que, após serem forçados a se encaixar nos padrões heteronormativos, sentem pela primeira vez o que tentavam mimetizar com o sexo oposto, vêem-se livres para vivenciar o amor com quem realmente desejam.
Evangelion tem a capacidade de por um fim em qualquer preconceito relacionado à Animes, uma vez que a profundidade de seu protagonista ultrapassa em qualidade a maioria das produções hollywoodianas atuais. Isso se da pela forma como a personalidade de Shinji é construída, detalhando ao longo da série, fatos e características pessoais que nos ajudam a entender melhor a cabeça confusa do personagem. Muito dessa confusão vem do trauma familiar de ter sido abandonado, morar com uma família da qual nunca se sentiu parte, ter um pai negligente, a pressão de pilotar um EVA e ainda por cima ser um adolescente tendo que lidar com as descobertas dessa fase. Para Shinji, entender-se como gay num país em que a homossexualidade ainda é vista como um tabu, seria o jeito mais difícil. Como seus amigos no anime (e vários memes no mundo real) não cansam de destacar, viver com Misato e passar tanto tempo próximo de Rei e Asuka é o sonho molhado de qualquer garoto de 14 anos, e apesar disso, Shinji não aparenta estar de nenhuma forma especialmente feliz pela situação. As 3 garotas que ele poderia ficar, mas tem medo, representam suas tentativas de se encaixar no padrão (da sociedade, dos amigos), mas Shinji nunca consegue ir em frente com elas, e isso o machuca; por isso ele só esta feliz quando esta perto de Kaworu, de quem realmente gosta e entende.
Já a a ''amizade'' dele com Kaworu, é desenhada de forma diferente, revelando à audiência um novo lado do personagem. Kaworu entra em cena para despertar a felicidade e liberdade nas ações de Shinji, livra-lo da tal aura de incerteza e dar a ele a possibilidade de finalmente enxergar sentimentos até então escondidos. Sensação similar a de gays que, após serem forçados a se encaixar nos padrões heteronormativos, sentem pela primeira vez o que tentavam mimetizar com o sexo oposto, vêem-se livres para vivenciar o amor com quem realmente desejam.
Evangelion tem a capacidade de por um fim em qualquer preconceito relacionado à Animes, uma vez que a profundidade de seu protagonista ultrapassa em qualidade a maioria das produções hollywoodianas atuais. Isso se da pela forma como a personalidade de Shinji é construída, detalhando ao longo da série, fatos e características pessoais que nos ajudam a entender melhor a cabeça confusa do personagem. Muito dessa confusão vem do trauma familiar de ter sido abandonado, morar com uma família da qual nunca se sentiu parte, ter um pai negligente, a pressão de pilotar um EVA e ainda por cima ser um adolescente tendo que lidar com as descobertas dessa fase. Para Shinji, entender-se como gay num país em que a homossexualidade ainda é vista como um tabu, seria o jeito mais difícil. Como seus amigos no anime (e vários memes no mundo real) não cansam de destacar, viver com Misato e passar tanto tempo próximo de Rei e Asuka é o sonho molhado de qualquer garoto de 14 anos, e apesar disso, Shinji não aparenta estar de nenhuma forma especialmente feliz pela situação. As 3 garotas que ele poderia ficar, mas tem medo, representam suas tentativas de se encaixar no padrão (da sociedade, dos amigos), mas Shinji nunca consegue ir em frente com elas, e isso o machuca; por isso ele só esta feliz quando esta perto de Kaworu, de quem realmente gosta e entende.
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<3 |
No filme ''End of Evangelion'' e no próprio final do anime, Shinji entra no estado mais sombrio de sua depressão após matar Kaworu. Para ele já não importa se vai viver ou morrer, ele não consegue nem mais andar. A unica vez em que sorri após a morte de Kaworu é quando sua forma gigantesca aparece para se comunicar com Shinji, por meio do corpo de Lilith. Não por coincidência, se lembrarmos que antes da ''morte'' os funcionários da Nerv vislumbram a forma da pessoa amada (Confirmando através de Maya e Ritsuko a possibilidade de personagens LGBT em Evangelion), o simbolismo na imagem de Shinji avistando Kaworu não pode ser ignorado.
Ao contrario do que muitos pensam, Shinji não é apenas um esteriótipo de garoto triste introduzido de forma simplória no enredo, sua personalidade é muito bem pensada e quanto mais analisamos mais complexa ela fica. As pistas citadas dão indicações concretas sobre a natureza romântica do sentimentos nutridos entre Shinji e Kaworu,então por que as pessoas insistem em refutar isso ou negar uma representatividade explicita na tela? Acredito que a resposta possa vir do machismo presente na bolha Otaku/Nerd.
Estamos falando de uma comunidade fechada e muito amedrontada dos avanços sociais invadirem o seu ''clube do Bolinha'', onde comportamentos misóginos e homofóbicos circulam livremente. Seria muito fácil generalizar dizendo que na vida real os otakus, por não serem socialmente aceitos, não exercem o papel de liderança que a masculinidade exige e por isso buscam tanto uma postura masculina exacerbada em seus ídolos animados. No entanto, sabemos que esse padrão de comportamento é imposto para todos os homens desde criança. Atitudes entendidas como masculinas (pegar as menininhas, bater nos amigos ou a ideia de que homem não chora) são transmitidas para os jovens de maneira diversa pelo corpo social, é assim que formamos homens em nosso mundo; Do mesmo modo, é assim que a mídia produz personagens voltados para o universo masculino, não apenas nos mangas Shonem mas também em filmes de ação, quadrinhos e séries. A catarse da ''machesa'' é experienciada tanto como válvula de escape para os nerds mais tímidos quanto como confirmação de padrões para o valentão que só querem ver a porrada comendo solta.
Nesse meio, onde a melhor forma de debochar de um homem é duvidando de sua sexualidade, um personagem como Shinji, que raramente manifestar traços tidos como ''másculos'', desafia os fãs que estão acostumados com heróis invulneráveis que nem de longe refletem as ações que qualquer ser humano normal cometeria em uma situação de urgência .
O intuito desse texto não é comprovar, mas sim trazer essa reflexão. A pergunta ''Por que o Shinji não pode ser gay?'' questiona toda uma estrutura que impede a inclusão de meninos mais femininos em meios e narrativas voltados para pessoas do sexo masculino. É triste ver fãs de uma obra tão profunda reclamando de um detalhe que na verdade só aumentaria a complexidade do personagem, tendo como único motivo o fato de encararem a relação entre dois homens algo tão vexatória, que precisam forçar uma defesa a esse comportamento, ignorando o desenrolar de um romance subentendido, mas que nem de longe pode ser considerado sutil.
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